Um convite. Um concurso. Cozinhar produtos portugueses, produtos de Trás-os-Montes.
Não pensei duas vezes e aceitei de imediato. Da minha terra, do Alentejo, levei o meu tempero. Participei
no I Concurso COZINHA de ENSAIO, em Bragança na NERBA durante a 12º Feira Internacional do Norte a Norcaça, Norpesca & Norcastanha 2013. Inesperadamente, ganhei.
Da Feira
Este tipo de eventos regionais, ainda que pequenos, são importantes pois
dinamizam os concelhos e as cidades. Neles encontramos pequenos produtores como
o Sr. Luís Mónico e os seus enchidos, projectos com alma como a OrigemTransmontana, a Tomelo e os seus sabonetes de leite de burra, ou a Sweet Gourmet By Eurico Castro e a sua deliciosa pasta de castanha.
Dos Chefes e o showcooking
A Chef Justa Nobre confeccionou uma perna de lebre recheada com peito
de perdiz. Revelando-se ao cortar um prato lindíssimo e muito saboroso,
acompanhado pelos famosos Cuscos de Trás-os-Montes. Das mãos da Chef Justa
Nobre nascem pratos honestos.
O Chef Vincent
Frages apresentou-nos vários pratos
elaborados com produtos da região, como a perdiz, a castanha e a truta. Ver
este Chef trabalhar a minha cozinha é
como que uma banda de garagem, e a
deste senhor, maestro da mais afinada orquestra sinfónica. A delicadeza dos
seus movimentos, cirúrgicos, no corte dos alimentos e na composição dos pratos.
O prazer com que nos revela técnicas e ingredientes é deslumbrante e contagioso.
Provei todos os seus pratos! Ahhhhh.
Do Concurso
A avaliação das provas ficou a cargo do júri, constituído pela Fátima
Moura, autora do blog Conversas à Mesa, escritora e gastrónoma, o Chef Luis Barradas, especialista em cozinha japonesa, e o
Miguel Gameiro, cantor e apaixonado pela gastronomia:-
frequentou a Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e está de partida para
a escola do Alain Ducasse em Paris.
Realizámos quatro provas
de cozinha, onde nos foram distribuídos de forma aleatória os seguintes produtos:
perdizes, javali, trutas da região, coelhos bravos, alheiras
de caça, castanhas, cogumelos da região, passarinhos, queijo Terrincho e azedos de
caça.
No sábado de manhã realizou-se a primeira prova.
Ingredientes a cozinhar em 45 minutos: alheira de caça, passarinhos e azedos. Fritei
um peito de passarinho com alho e outros temperos em azeite, coloquei sobre uma
fatia de pão frita também em azeite e servi com umas alcaparras, como por lá
chamam às azeitonas curtidas sem caroço. Com a alheira e o azedo fiz umas bolinhas, como almôndegas,
envolvidas em frutos secos (avelãs) e levei ao forno para tostarem.
Servi a alheira com esparregado de nabiça e o azedo com tiras de maçã para lhe
dar um pouco de frescura, equilibrando o seu forte sabor.
Nunca tinha comido azedos de caça e foi a primeira
vez que os cozinhei. Provei e gostei. Lembro-me de ler algo sobre os azedos
num livro de José Quitério, onde também nos fala das alheiras: “as alheiras,
cujo nome vem dos alhos que lhe abundam a massa, eram na sua fórmula primitiva,
feitas com miolo de pão de trigo, coelho bravo, perdiz, galinha, peru, vitela,
mais o caldo de cozedura das carnes; e os azedos a massa é parecida à das
alheiras, com mais carne, menos pão e sem alho.” José Quitério
Nesse mesmo dia à tarde, realizou-se a segunda
prova. Ingredientes a cozinhar em 45 minutos: coelho bravo, cogumelos e
nabiças. Optei por cozinhar os lombos do coelho. Estufei-os com temperos como o
meu pai faz em casa, com alho, vinho branco, toucinho, cebola, ervas aromáticas e cogumelos.
Retirei as peças de carne quando estavam no ponto e deixei-as descansar um
pouco. Reduzi o molho a um puré com a varinha mágica e depois coei por um
passador. Acompanharam este coelho uma migas de pão com nabiça, crocantes, e umas
tiras de pimento encarnado fresco.
Domingo de manhã a terceira prova. Tínhamos 45
minutos para cozinhar como ingredientes, a perdiz. Servi a ave desossada, o
peito e coxa. Entretanto usei os ossos e restantes partes da carcaça da ave, e fritei-a
no pingo do toucinho e azeite. De seguida estufei com temperos como a cebola,
alho, cravinho, louro, vinho branco, e cheiros numa boneca com a salsa, o tomilho e a manjerona, ou bouquet garni como os franceses lhe chamam. Retirei primeiro o peito da ave, e só depois
a coxa. A lembrar que os peitos cozem mais rapidamente que as coxas. Panei depois
as carnes por ovo e amêndoa picada na hora , novamente por ovo e pão, ralado na
hora com umas folhas de manjerona. Fritei esse panado em azeite. Reduzi o
molho, triturei-o na varinha mágica e coei. Servi com couve previamente cozida,
depois salteada em azeite com um alho esmagado. Acompanhei no prato com uvas
temperadas de azeite.
A quarta e ultima prova
foi uma final realizada por duas equipas, a do avental verde liderada por mim Vs a equipa do avental castanho liderada pelo Rodrigo
Meneses. Eu e o Rodrigo Meneses tínhamos a melhor pontuação. Numa hora teríamos
de confeccionar três pratos com os seguintes ingredientes: truta, javali,
castanhas e queijo Terrincho. A Vera Ferraz e a Sandra Santos ficaram com a
liberdade total para elaborarem a sobremesa. Uma deliciosa Sopa doce de castanha com uns folhados de maçã e
caramelo. A Isabel Rafael recebeu a minha orientação na confecção de um prato de
javali, pois esta seria a sua estreia, no tacho, com javali. E eu, fiz uma truta
recheada.
De todos os pratos este foi o que mais gozo me deu
fazer. A truta estava VIVA. O Chefe
Barradas deu-me indicações de como a matar rapidamente: -um corte perpendicular
ao lombo junto à cabeça. Filetei a truta e retirei-lhe todas as espinhas. O
peixe tinha uma textura incrível. Depois recheei o filete com cogumelos, alho francês e amêndoas,
previamente salteados em azeite. Enrolei o filete de truta em finas fatias de entremeada
fumada e bridei, ou seja, atei o rolo com tiras de alho francês. Levei ao forno
por 10 minutos até o peixe começar a apresentar uma cor branca. Polvilhei com
queijo Terrincho ralado e levei novamente ao forno para este derreter. Servi
com batata previamente cozida e depois tostada no forno com um pouco de azeite.
Decorei o rolo de truta com duas “agulhas” de cebolinho.
Do resultado
Cozinhar fora de casa, em público e num concurso é uma
grande responsabilidade. Superei o meu medo de desafios e falhas, e aprendi
muito. Deixei-me sempre levar pelo meu tempero e provei, provei, provei, provei
cada prato ali confeccionado. Reencontrei alguns amigos, de Espanha também como
o Jorge Guitián e a Anna Mayer. Conheci pessoas, fiz novas amizades. Houve naqueles três dias, da parte de todos, muito
amor pela cozinha e cumplicidade.
O MárioCerdeira, mentor deste concurso, está de parabéns. O Alentejo cá vos espera
para se fazer mais um concurso Cozinha de Ensaio.
Fui recebida com muito carinho em Bragança. Voltarei.
Fiquei muito feliz por ver no Jornal da
minha terra e onde sou colaboradora, os Brados do Alentejo, uma notícia sobre este inesquecível evento. Bragança também foi notícia
no Alentejo! Agradeço o destaque.
Nota: As fotografias foram-me gentilmente cedidas pelo Ricardo Rafael e pelo Mário Cerdeira.
Olhapim,
Alentejo... em Bragança!