quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Banhas e torresmos em duas partes - 1ª


Por volta dos 6 anos de idade, em casa dos meus avós, cada vez que havia matança era chamado para segurar na faca e matar o porco. Fazia as honras daquele gesto fatal para o porco.
Tão novo, não tinha destreza nas mãos para guiar a faca. Então, metia a minha mão sobre a mão de um homem, mais velho, e o bicho morria.
Não me incomodava aquele cenário. Sabia que depois ia  ajudar a desmanchar o porco, normalmente tarefa reservada aos homens, e depois  ajudar as mulheres.
Eram dias de festa! Dias especiais em que a família se reunia.
Ficava impressionado com a força dos homens. O porco era para mim naquela altura, tão pequeno fisicamente, uma verdadeira besta. Observava a enorme faca, sempre muito bem afiada, cortar as entranhas do animal. A pele escondia grossas camadas de  banha, muito branquinha, como se queria.
Ouvia os mais velhos contarem histórias de outras matanças já passadas. O recorde de peso de porcos abatidos, as melhores carnes fazendo sempre referencia ao criador, etc...
A minha avó, sempre com a sua voz de menina (doce), lá estava. Sentada à minha espera na ribeira para o acto mais solene: lavar as tripas. Relatava, passo a passo, o que estava a fazer ensinando-me. E ainda hoje parece que a oiço:
- Dobra a tripa e toma  cuidado que a água está muito fria. Com um pauzinho prendes a ponta da tripa e depois dás-lhe a volta e tornas a lavar. - Corta as laranjas e esfrega-as muito bem nas tripas.
E fazia aquilo tudo com o aroma da tripa, insuportável  para alguns. Ali ficava eu, sempre muito concentrado e entretido. Mangas arregaçadas, de joelhos junto à ribeira, sempre com as mãos geladas. Eram dias de Janeiro ou Fevereiro . Dias bons de geada que ajudavam no sabor dos enchidos em fumeiro.
Já em casa, na cave das matanças, temperavam-se as carnes e com o dedo provavam-se (com o chup! do dedo mindinho calculavam-se temperos - genial!), salgavam-se os toucinhos e os ossos, faziam-se as banhas de pingo, as brancas e os torresmos...  Eram 3 dias de muito trabalho. E o emaranhado de cheiros era realmente fantástico.
Eu tinha uns avós que me faziam ser importante. Pensava…!  Se não fosse pela minha  ajuda aquele porco nunca poderia ser morto.

Hoje. Hoje a morte de um porco, pato ou galinha,  faz-me muita impressão. Talvez por ter consciência do sofrimento humano. Talvez! Sensibilizado com o abate de um animal, a escolha das carnes que cozinho, é feita, não pela vontade do estômago, mas pelo raciocínio. Depois, gosto de arranjar as carnes.


Banhas, torresmos  e até boleimas. É assim que tudo começa.

Escolha um porco gordo que ande solto  pelo campo e se alimente de bolotas.
Mate o porco. 


Depois de aberto tire-lhe as tripas. 

 









Continua.

Olhapim,

Alentejo...

Banhas e torresmos em duas partes - 2ª

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